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Anúncio da Meta em derrubar as ferramentas de moderação devem gerar uma escalada de violência contra mulheres dentro e fora das redes

Por: Think Olga


Nesse começo de 2025, assistimos a um enorme retrocesso com o anúncio de Mark Zuckerberg sobre “retomar às raízes” e a “liberdade de expressão” em suas redes sociais. Em 07 de janeiro, o CEO da Meta anunciou a substituição de verificadores de fatos pelas notas da comunidade, e isso nos obriga a fazer uma enorme reflexão sobre fake news e consequências sociais, políticas e geopolíticas que a medida acarreta. 


Gostaríamos de chamar a atenção a uma outra conversa que está ficando de fora do radar do debate público: o anúncio de que a Meta vai abandonar políticas que restringem temas ligados a imigração e gênero (em suas palavras, “usadas como forma de silenciamento. E isso já foi longe demais”).


O ambiente online já é hostil, especialmente para as mulheres. Entre os discursos de ódio na Internet, a misoginia está entre os que mais cresceram nos últimos anos, segundo o Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH) e a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da Safernet. Assédio, ameaças, pornografia, ofensas, coaches de masculinidade e movimentos como o dos red pills escancaram o machismo, o racismo e o sexismo e trazem consequências para o dia a dia das mulheres dentro e fora das redes.


Em dezembro de 2024, o Ministério das Mulheres, em parceria com a UFRJ, analisou 137 canais com discursos misóginos (humilhação, subjugo e manipulação psicológica de mulheres) no YouTube e constatou que eles acumulam quase 4 bilhões de visualizações. Repercutem a aversão contra as mulheres e espalham teorias da conspiração ao mesmo tempo em que monetizam seus conteúdos. Outra investigação recente foi feita na Alemanha,  onde se descobriu diversos grupos no Telegram que ensinavam a dopar, estuprar e agredir mulheres. Foram identificados cerca de 70 mil usuários compartilhando suas estratégias, incluindo relatos de violências contra suas próprias parceiras, irmãs e mães. Na mesma linha foi o caso de Dominique Pelicot, que dopava sua esposa e convidava homens em fóruns online para estuprá-la em sua casa. Outro crime complexo de fiscalizar e combater é a exploração sexual infantil na Internet, que atinge milhares de meninas e bateu recorde em 2023 com mais de 71 mil queixas. Ou ainda este homem na Paraíba, que estuprou e extorquiu mais de 30 mulheres, atraídas por perfis falsos em redes sociais como Instagram e Facebook. De volta ao Telegram, a SaferNet revelou que mais de 1 milhão de usuários já compartilhou imagens de abuso infantil. O ambiente foi escolhido para uma operação deste tamanho, por óbvio, por não possuir moderação de conteúdo ou regras rígidas de comunidade.


Nesse contexto todo, derrubar a checagem de conteúdos e desresponsabilizar usuários é uma sentença a mulheres e meninas de todo o mundo. Lembramos que as principais queixas e denúncias do gênero feminino estão relacionadas a exposição de imagens íntimas, ofensas, conteúdo violento e discurso de ódio. (SaferNet, 2022). Isso não pode, em hipótese alguma, ser defendido como liberdade de expressão. 


As ameaças virtuais, que vão do estupro ao assassinato, impactam também a vida real. Muitas mulheres chegam a sofrer as agressões na físicas e no offline, enquanto outras passam por sequelas psicológicas graves. Um estudo do Instituto Avon mostra que 21% das mulheres que sofreram violência excluem seus perfis nas redes sociais. 35% passa a ter medo de sair de casa e 30% adoece psiquicamente, se isola ou cultiva pensamentos suicidas. Essa violência institucionalizada reverbera ainda no imaginário coletivo que normaliza uma sociedade que tolera e até endossa a violência contra as mulheres.


O que esperar quando as poucas barreiras de segurança para reduzir o discurso de ódio e as frágeis políticas da Meta forem extintas? Vale lembrar que na pandemia vivemos um período de descuido e precarização das ferramentas de proteção às mulheres. E o que observamos foi um vertiginoso aumento do feminicídio e da violência de gênero. No período da Covid-19, uma em cada quatro mulheres com mais de 16 anos sofreram alguma violência ou agressão em casa. Somente em São Paulo, o aumento das agressões foi de 45%. 

Como mensurar o aumento da violência de gênero que vem por aí nas redes sociais quando a própria responsável por elas muda as regras do jogo e redefine ódio como liberdade? E pior: rejeita qualquer transparência e divulga apenas os dados que lhe convém? Para outros grupos, os efeitos já começaram: no dia seguinte ao anúncio, a Meta autorizou que os usuários façam publicações associando pessoas gays e trans a transtornos mentais e anormalidades. 


Retomar o que pertence a nós — e não às grandes corporações


Esse é um momento histórico em que precisamos resistir e debater o poder e o espaço que as plataformas ocupam em nossas relações, instituições e ações. Além de cobrar por uma regulação efetiva, por políticas de letramento digital e educação midiática, precisamos nos posicionar enquanto poder público e sociedade. Se aceitarmos passivamente a estrutura atual das grandes corporações e as distorções que elas geram, continuaremos fracassando na proteção e no fortalecimento das mulheres e de outras populações vulneráveis. Mais do que isso, estaremos privando essas vozes de ocuparem os espaços digitais com segurança. Também teremos fracassado na construção coletiva de uma democracia mais sólida em que nossos arranjos sociais não são completamente dominados pelo lucro, mas fundamentados no cuidado, na justiça e na equidade.


Parte do nosso trabalho é imaginar caminhos e futuros melhores. E a mudança só é possível com a tomada de consciência para reivindicar o que vem sendo sistematicamente roubado de nós: nossa autonomia, o pensamento crítico, a troca civilizada de ideias e a construção de melhores condições de vida a partir da pluralidade de pensamentos e experiências. Só é possível falar em mudanças se rejeitarmos o ódio, a violência, o isolamento digital e a falsa ideia de que são as grandes corporações que devem definir toda nossa existência: das políticas públicas aos valores sociais. A hora é agora.


Estamos prontas para somar nessa conversa e apoiar o avanço de ambientes digitais mais seguros e saudáveis. Ambientes em que, para uma voz ser escutada, a outra não precisa ser aniquilada. 

 

Artigo publicado por Think Olga

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