A voz de Yohana Ciotti: a idealizadora por trás de "A Linha Vos”
- rafaelaberaldomaci
- 7 de mar.
- 4 min de leitura
Espetáculo acontece neste domingo, 9, às 18h, no Centro Cultural Geraldo Pereira, em Bragança Paulista
Por Laíza Lima

A idealizadora, dramaturga e narradora de histórias Yohana Ciotti traz aos palcos de Bragança Paulista um espetáculo que vai além da encenação: A Linha Vos é uma costura de memórias, um bordado de histórias de mulheres que, por muito tempo, foram silenciadas.
O projeto nasceu de uma profunda pesquisa sobre narrativas femininas e se transformou em uma performance sensorial e intimista que dialoga com o público de maneira única.
O ponto de partida para A Linha Vos surgiu quando a Narradora percebeu um padrão curioso em seu círculo profissional: a narração de histórias sempre foi um espaço predominantemente feminino. “Eu fazia uma especialização em narração e percebi que, em uma turma de 22 pessoas, 20 eram mulheres. Isso me fez refletir sobre a relação da mulher com a palavra, com a oralidade e a transmissão de histórias ao longo das gerações”, conta.
Ao mesmo tempo, sua relação pessoal com as memórias familiares foi se intensificando, especialmente ao acompanhar o envelhecimento de seus pais. Vinda de uma família de descendentes de italianos e espanhóis, ela sempre conviveu com histórias fragmentadas, contadas de maneira velada ou modificada com o tempo. Foi nesse contexto que surgiu um dos episódios mais simbólicos da peça: a história das calcinhas.
Da vida para os palcos
Certa vez, sua mãe compartilhou uma lembrança com um misto de humor e vergonha: na juventude, ao morar em um prédio com lavanderia comunitária, suas roupas íntimas foram levadas pelo vento e caíram na praça da Matriz. Sem coragem de buscá-las, deixou-as lá. Esse pequeno relato, aparentemente banal, despertou em Yohana a percepção de que muitas histórias femininas foram tratadas como segredos, como algo que deveria ser escondido.
Esse insight se tornou o fio condutor do espetáculo. “Comecei a brincar com essa história em uma oficina de narrativas femininas e percebi que ela tinha força. A partir disso, fui buscando outras histórias ‘mal contadas’ dentro das famílias, que poderiam ser ressignificadas e trazidas à tona”, explica a dramaturga.
A máquina de costura, presente no espetáculo, é um elemento central dessa construção.ela recebeu a máquina de sua avó como herança, carregada de significado e afeto. O objeto, símbolo de trabalho e resiliência feminina, se tornou um elo entre as histórias do passado e a dramaturgia que se desenhava.
A costura, se transforma mais do que um ofício, é uma metáfora da vida. Cada linha, cada ponto, representa um pedaço da memória que se entrelaça e se transforma. “Muitas mulheres da minha família tinham relação com a costura. Para algumas, era sustento.
Para outras, um refúgio. Eu passei a perceber que havia uma coleção de histórias ligadas a isso e que todas essas mulheres, de algum modo, costuravam para sobreviver”, reflete.
A Potência do Espetáculo
Desde as primeiras apresentações, A Linha Vos provocou reações intensas. “Sempre que termino uma sessão, alguém vem me contar uma história parecida da própria família. São relatos de avós, de mães, de mulheres que enfrentaram desafios e deixaram marcas”, diz Yohana. Essa identificação é um dos pontos mais potentes do espetáculo, ele não apenas narra, mas também desperta memórias adormecidas no público.
Outro elemento essencial na construção do espetáculo foi a colaboração com artistas de diferentes áreas. O trabalho com Leila Garcia, terapeuta corporal e narradora de histórias, trouxe novas camadas para a performance. “A Leila tem uma pesquisa incrível sobre consciência corporal. Trabalhar com ela mudou até o meu texto, a forma como conto as histórias e me movimento em cena”, conta.
A figurinista Giulia Vascarelli, também narradora de histórias e costureira, trouxe um olhar encantador sobre o significado das roupas e do ato de vestir-se. Já a artista Kelly Orassi, especialista em narração com objetos, ajudou a dar tridimensionalidade ao espetáculo, incorporando elementos simbólicos que despertam memórias e emoções no público.
Para Yohana, A Linha Vos não é uma peça estática, mas um espetáculo vivo, que se transforma a cada apresentação. “Cada vez que conto essas histórias, elas se organizam de um jeito diferente. O teatro contemporâneo permite essa flexibilidade. Se um objeto cair no meio da cena, isso faz parte da narrativa. É um encontro real entre a história, a plateia e o momento presente”, afirma.
A proposta do espetáculo vai além da cena tradicional: A Linha Vos busca criar uma experiência sensorial, onde a palavra, os objetos e o corpo se entrelaçam para costurar memórias individuais e coletivas. “Não se trata apenas de assistir, mas de sentir, reviver e refletir”, conclui.
Desde seu nome que carrega varias simbolidades, “A Linha Vos”, do encontro dessas mulheres remeteu a Yohana a palavra Alinhar, a linha da costura, a voz da mulher e a lembrança dos avós, tudo isso entrelaçado para a criação desse projeto tão potente e magnifico.
Mais do que um espetáculo, A Linha Vos é um convite para olhar para as histórias femininas com novos olhos. O projeto não apenas resgata memórias, mas as transforma em potência, em voz e em presença. “Muitas dessas histórias foram, durante muito tempo, tratadas como insignificantes. Mas, na verdade, elas têm uma força imensa. São essas pequenas narrativas que moldaram quem somos hoje”, destaca Yohana.
Com apresentações programadas para março no teatro segundo Ato em Bragança e em instituições que acolhem mulheres em situações de vulnerabilidade, A Linha Vos promete emocionar e provocar reflexões sobre o papel da mulher na sociedade e a importância da transmissão de histórias. Afinal, cada narrativa costurada no palco é um pedaço da história de todas nós.
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